Acendermo-nos uns aos outros

Pessoas-luz. Uma expressão que de vez em quando encontro, nos textos que leio.

É fácil perceber o que quer dizer. As pessoas que têm uma luz própria e que a partilham connosco, mesmo sem nós pedirmos. Pessoas que nos fazem sentir um pouco mais leves, que nos lembram de respirar e de largar por um pouco aquele momento carregado que lembramos.

Pessoas que sabem que uma vela não se gasta mais depressa por acender outra.

Desengane-se quem pensa que as pessoas-luz não têm escuridão dentro de si. Têm. São humanas também.

Também têm frustrações, pensamentos negativos. Também sentem raiva, também se sentem derrotadas. Por vezes. Todos sentimos isso, em algum momento da nossa vida. Em momentos. A escuridão também existe, a escuridão também é normal.

O que não é normal, o que não é saudável para nós, é que nos apeguemos a essa escuridão. Que nos agarremos a ela como se fosse a única forma de viver.

As pessoas luz procuram a luz. Porque sabem que não é fácil mantê-la. E que a escuridão tem um lado sedutor, que nos quer agarrar a ela quando a encontramos.

As pessoas luz não são iluminadas. Procuram manter-se iluminadas. Procuram repetidamente o que as acenda. Procuram acender os outros, e também quem as acenda.

Acendamo-nos uns nos outros e sejamos todos, cada um à sua maneira, pessoas-luz.

© Isa Lisboa

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Acender uma vela na escuridão

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Em tempos que falta a luz, resta-nos acender uma vela, para cortar um pouco da escuridão.  Para nos permitir ver que ainda há um caminho, mesmo que não seja tempo de caminhar.

Acender uma vela em nós mesmos pode revelar-se a tarefa mais difícil que encontramos. Mas só assim saberemos o tamanho da escuridão.

E a escuridão dá medo, lembrando quando éramos crianças e os monstros se escondiam, à noite, nos cantos mais escuros da casa.

Crescemos, e a escuridão passa para aqueles momentos da vida em que tudo parece impossível, irreal e surreal.

Mas na verdade, a escuridão é a perda da esperança e a perda da fé em nós mesmos.

E a escuridão é também a cegueira de não querermos olhar para nós mesmos e ver. Ver os passos que demos e nos levaram ali. Ou os passos que não demos agora para sair.

Porque é preciso muito mais coragem para aceitarmos a nossa quota-parte no nosso destino, do que o é para amaldiçoarmos a escuridão.

Aquele canto escuro, onde nos escondemos, enrolados sobre nós próprios, com pena de nós mesmos… Esse canto, é a verdadeira escuridão, a que escondemos dentro de nós.

E se nos apegarmos demasiado a esse canto, facilmente nos esquecemos de que a escuridão não existe sem a luz: antíteses complementares que se completam.

Basta um passo, basta lembrar, acreditar. Acreditar na luz que nunca se extingue. Mas também acreditar na escuridão que sempre a acompanha.

E, sobretudo, acreditar, lembrar, assumir, que a escolha entre uma e outra, é sempre e só, apenas tua. Em cada momento, em todos os momentos. Não escolhes só uma vez, porque a vida está sempre a pôr-te à prova.

A vida põe-te à prova para que possas reclamar um prémio: a tua essência, o teu ser mais puro, quem tu és. A vida põe-te à prova para que te descubras. E para que quando te encontres te possas reinventar. Hoje, amanhã, quando for.

O que vais escolher, agora?

© Isa Lisboa

As asas de Ícaro

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A sombra –

Essa sedutora –

Roubou as asas de Ícaro.

Desamparado

Caiu

Anteveu o embate

Com a terra seca.

Doeram os músculos

Os ossos

E a pele rasgou.

O sol era um sonho

O que lhe deu asas

Foi o mesmo

Que as derreteu

Ilusões a escorrer

A pingar sobre a Terra

Onde o seu corpo

Caiu

Com vida, mas com dor.

Chamem-lhe soberba

Orgulho

O que for

A sombra sussurrou

Ao ouvido de Ícaro

Sobe

Acima do que és

Sobe

Sem olhar

Sobe até mais não.

Corpo caído

Dorido

Ferido

Dor em mais que corpo.

Uma mão passa-lhe

Na fronte

Água fresca

Nos lábios.

A Sombra

Roubou as asas de Ícaro.

Mas o Amor

Devolveu-lhe a vida.

© Isa Lisboa

Luz e escuridão

Há quem só veja sombras, mais ou menos difusas. E há quem só veja luzes. Pelo menos assim parece.

Não acredito na tese sem a antítese, o que, trocado por miúdos, quer dizer que não acredito que a visa sempre nos sorria. Que tudo sempre corra bem. Que só exista Luz.

A Escuridão também existe. E pode ser tão poderosa quanto a Luz.

Mas como pode a Escuridão ser combatida com Escuridão? O que mais pode combatê-la senão a Luz?

E é nos dias em que a Escuridão nos visita que mais devemos procurar a Luz. E que mais nos devemos socorrer da Luz que temos dentro de nós.

© Isa Lisboa

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Imagem: Tumblr

Cicatrizes

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Foto: Autor não identificado

Vivemos numa sociedade que não gosta de cicatrizes. Cicatrizes nas suas variadas formas. Físicas e emocionais.

É verdade que tanto umas como outras representam uma dor vivida, e talvez por isso nos seja tão difícil encarar essa marca – em nós e nos outros.

Mas também é verdade que as nossas cicatrizes contêm a nossa história. E ainda que ela tenha sido dolorosa, faz parte de nós. Tudo o que nos acontece vem com o intuito de nos ensinar algo ou de nos fazer crescer e experienciar o potencial da vida. Aquilo que acredito ser o sentido da vida.

Por vezes estas cicatrizes são memórias que guardámos no sótão do nosso coração, memórias dolorosas. Não vale a pena remetê-las para um baú fechado no canto mais escuro desse sótão. As memórias não se calam nem se amordaçam. Devemos antes aceitá-las como parte de quem fomos. Deixando de fugir delas e de lhes resistir, poderemos entender o que elas nos ensinaram, e em que medida nos tornaram mais fortes. Aprendida a lição e, ultrapassado o obstáculo, estamos então prontos para o que vem a seguir.

Porque algo vem a seguir. Sempre.

Há alguns anos atrás, numa feira de rua, comprei um livro em segunda mão. Ao chegar a casa, quando ia arrumá-lo, um bilhete caiu. Tinha escrita à mão, uma simples frase: “Tudo ainda está para vir.” Sentia-me numa fase de recomeço de ciclo, tinha feito algumas mudanças na minha vida. Foi, para mim e naquele momento, uma mensagem de esperança e uma indicação de que estava no caminho certo.

E, agora que tudo muda de novo, sei que estava. Percorri o caminho que precisava percorrer, para entender em pleno as minhas cicatrizes e para poder afirmar que elas são apenas uma pequena parte da história; mas que a história que se escreverá daqui para a frente será pelo meu punho, com a minha caneta. Como deve sempre ser.

E tudo continua ainda por vir.

© Isa Lisboa

Mistérios

Todas as flores têm espinhos, assim como todas as palavras têm silêncios.

Tudo na vida é dual, duas faces da mesma moeda. Como na moeda, um lado só existe com o outro, é preciso aprender a ver o que ambos nos ensinam.

Pois como saberíamos a beleza da flor se não conhecêssemos a dor dos espinhos? Como ouviríamos as palavras ditas, se não tivéssemos já ouvido o silêncio? Como, ora, definir a tese sem a sua antítese?

Assim é com a noite e o dia, um dos sábios ciclos da vida. Um vem a seguir ao outro, um mostrando o que a outra esconde. E como duvidar que um não existe sem o outro: se é a escuridão da noite que permite ver a lua, e as sombras do dia só existem em contraste com a luz do sol?

Nesta dança lado a lado, luz conhecendo a sombra e sombra conhecendo a luz; nesta dança ritmada e perfeita se revelam os mistérios da vida e do Eu.

Um passo de cada vez, à medida que estamos prontos para os entender.

© Isa Lisboa

Adam Martinakis

Imagem: Adam Martinakis