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Vento
Desafio dos 10 anos
Circula nas redes sociais o desafio dos 10 anos – 10 year challenge – que desafia a que se publique uma foto actual, comparando com uma de há 10 anos atrás.
Isso fez-me pensar sobre o que andava eu a fazer há 10 anos atrás.
Fui realmente procurar fotografias e chamou-me a atenção uma, tirada numa “road trip” pela Irlanda, em que examinava um mapa de estradas.
Além dessa, ainda fiz outras viagens nos últimos 10 anos. Conheci mais lugares. Conheci pessoas. Fui loira, ruiva e até morena durante uns meses. Li muitos livros. Escrevi e editei o meu primeiro livro. Aprendi muitas coisas novas, especialmente sobre mim mesma. E comecei a partilhar o que aprendi. E a aprender mais, desta forma.
Nos últimos 10 anos, ri e chorei. Caí, esfolei os joelhos e cresci com isso. Enfrentei a dor, senti o seu sabor amargo, mas não deixei que ela se entranhasse em mim. Vivi coisas grandes, mas aprendi a enormidade das pequenas coisas. Conheci o sucesso, mas também a derrota e percebi que tantas vezes eles se confundem um com o outro.
Nos últimos 10 anos, permiti-me ser criança mais vezes e com isso percebi que cresci.
Também fui mais vezes adulta, além de pagar as contas; na parte de manter contas certas com a vida.
Nos últimos 10 anos, cresci, amadureci e sou mais Eu. Sem dúvida!
© Isa Lisboa

Imagem: http://www.pixabay.com
Poema sem sentido
Nasceu pássaro
Perdeu as asas
Por falta de uso;
Tentou cantar
Mas não era ave canora
Esse ofício não ia ter;
Não sabia nadar
Peixe não poderia todavia ser;
Correr também não conseguia
Para a savana não havia de ir.
Fincou-se então ao chão
Falou com a terra
Bem alto lhe pediu,
A terra acedeu.
Árvore ali nasceu
Dá abrigo e sombra,
A quem asas tem
E a voar quer aprender.
© Isa Lisboa
Arte: “Desejo”, de Carlos Saramago
http://carlos-saramago.blogspot.pt/
És um patinho, um cisne, ou…?
É bem conhecida a história do patinho feio. Um patinho bem diferente dos outros, de quem os irmãos se riam e que cresceu triste e a sentir-se sozinho. Até que um dia vê no lago um conjunto de belas e majestosas aves. No final da história, percebe- se que o patinho feio é, afinal, um cisne. Um belo cisne!
Muitas pessoas já se identificaram com esta história em algum momento das suas vidas. Ou seja, já muitas pessoas se sentiram patinhos feios, diferentes, deslocadas, não aceites.
E, lembrando-se da história do patinho feio, anseiam pelo dia em que se tornarão um cisne. Um belo cisne.
Também foi assim que interpretei esta história durante algum tempo. Como a história de um patinho que era feio e se tornou belo.
Mas com o tempo entendi que o patinho só era feio porque não era um patinho. Sentia-se diferente e deslocado porque não estava onde pertencia. Não estava no seu lar e estava a tentar ser alguém que não era. E não se tornou num cisne – apenas percebeu que sempre tinha sido um cisne e decidiu seguir o seu bando verdadeiro.
Não se tornou mais belo. A sua beleza revelou-se e veio ao de cima quando ele descobriu quem era. E quando decidiu aceitar quem sempre tinha sido.
E tu, pronta(o) para descobrires quem és?
© Isa Lisboa
Encolhida
Vida perdida
Morte adiantada
Caminhando
Sobre pernas esquecidas
A vida segue
Fingindo que ainda existe
Passa ao lado
Do destino
Fingindo não o ver
Ou demasiado adormecida
Passa sem parar
Sequer ponderar
Quem
Como
Poderia ser
Fugir à dor dói
Libertar-se ainda mais
O medo é grilheta
O grito afoga-se
Sem ar na garganta
O coração…
Lentamente esmorece
A alma encolhe-se
Protegida espera
Que agarres a vida
Sejas quem és!
© Isa Lisboa

Imagem: Vera Chimera
O Caminho do Eu
Uma vez percorrido o Caminho do Eu, temos tendência a achar que a viagem foi cumprida.
Mas assim como o rio que atravessamos hoje não será amanhã o mesmo, também este Caminho muda após feita a primeira viagem.
É um Caminho que devemos atravessar uma e outra vez, libertando novas camadas de quem não somos. Ou descobrindo novas manifestações de quem somos.
Aceitar a jornada nem sempre é fácil, e mais difícil é perceber que só no silêncio interno podemos encontrar o percurso a seguir.
Habituados a tudo planear, custa aprender a deixar a Sabedoria da Vida fluir e tomar conta de nós.
Resistimos, queremos categorizar em certo e errado. Queremos categorizar-nos em certo e errado.
Mas só quando aceitamos que o que é É, É, só aí o Caminho se abre. Só aí nos conseguimos ver plenamente, sem julgamentos, esquecidos do pecado da imperfeição.
Despidos de expectativas, sobre nós e sobre o Mundo, estamos então leves o suficiente para percorrer o Caminho.
Para nos libertarmos das camadas protectoras, por debaixo das quais a nossa verdadeira voz se esconde, amordaçada.
E, passo a passo, a nossa Voz voltará a ouvir-se.
Nós voltaremos a ouvir-nos.
© Isa Lisboa

Imagem: Swan song, by Zena Holoway
O Universo é feito de números… mas não só
Recentemente, fui convidada para falar num evento destinado a alunos da faculdade onde fiz a minha formação na área das matemáticas. Foi-me lançado um desafio com uma componente um pouco intimidante: o de contar a minha história. A minha história como matemática e a minha história como escritora.
Gostei da ideia de poder voltar a um espaço que foi também uma casa durante uma parte da minha vida e, nessa casa, poder falar um pouco sobre mim e sobre o que aprendi aós sair de lá. E, por isso, desafio aceite!
Para além de participar no evento como oradora, assisti também às restantes palestras e revi alguns dos meus professores. Também conheci o grupo de alunos que organizou o evento, saíndo fora da sua habitual zona de conforto das aulas.
Hoje gostaria de partilhar convosco o que vi e senti nos oradores e nas pessoas com quem falei: sempre existiram sonhos, paixões e pessoas que os seguiram. E continuam a existir. Há quem, como eu, partilhe as ciências exactas com áreas mais artísticas, como a música, a fotografia ou os trabalhos manuais. E há quem dedique a sua paixão ao rigor da matemática, da investigação histórica ou da física. Mas em todas as vozes e rostos se sentia entusiasmo pelo tema que estava a ser mostrado.
E, por isso, agradeço a todos com quem me cruzei nesse dia. Obrigada por terem partilhado um pouco das vossas paixões. O Universo é feito de números, mas não só. E é movido por pessoas como vocês.
© Isa Lisboa
Matemásia
Uma experiência em “matematiquês”
Matemática não é poesia
Disseram-me outro dia
Discordei. Sem esta dicotomia
Aqui eu não estaria.
O poeta pediu-me emoção,
O matemático demonstração.
Na caneta peguei
Daquela geometria,
Eu lembrei logo,
Em que um círculo é uma recta;
Digam-me se tal exercício
Não é fora da caixa pensar!
E que dizer das paralelas
Que caminham lado a lado
Até ao sem fim,
Nunca se tocando,
Maior amor impossível
Só o Romeu e a Julieta!
E na onda do romance
Ainda aquela equação
Em que x explica y,
Que um não se acha
Sem se achar o outro.
Mais, que maior mistério
O daquele conto
Em que x termina
Tendendo para mais infinito;
Até podia ser
Para menos infinito
O Mundo que fica apenas
Do outro lado.
E somando letras
Subtraindo palavras
Assim se faz a metáfora,
Uma rima que divide os versos
Ou até não:
Se uma simples constante
Marca o ritmo do poema
Quando a variável entra
Talvez até em soneto se transforme.
Quem pode afirmar ainda
Que matemática e poesia
Pura antítese são?
Duas faces da minha alma
O contradizem
A Emoção e a Demonstração.
© Isa Lisboa