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Liberdade
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Em maresia
Era manhã e havia orvalho na janela. Havia ainda flocos do sol que nasceu, vislumbrou. Ela estava sentada num banquinho, os braços apoiados na mesa de madeira. A casa ainda dormia, assim como o mundo.
As abas do pijama alvo moveram-se ao ritmo da porta que retiniu. Sabia que não era o vento; e não sabendo ao certo quem esperava, levantou-se para o receber.
Empurrou a porta devagar e entrou, sorriso á frente. Tinha a pele de muitas luas e os olhos de muitos sóis. Estendeu-lhe uma oferta.
Vendo que estava embrulhada em maresia, aceitou-a com cuidado. Quando ia agradecer, viu-o desaparecer calmamente no nevoeiro. Sem entender, entendeu. O presente era para abrir.
Encontrou um par de asas, que lhe serviam na perfeição.
Agora já era noite, mas ainda assim levantou voo. Voou na direcção do mar, porque não?
O cheiro da maresia guiava-a e a memória de casa persistia. Não era uma memória vã, era mais antiga que ela própria, e só para a lembrar, acordara nessa manhã.
Voou até ver. Quando viu, soube, e quando pousou os pés na areia, já não era manhã, nem noite.
© Isa Lisboa

Imagem: Mila Marquis
Imagem: mila_marquis-1068×1068
O rio
As águas do rio correm violentas. Mas correm para a frente, não posso resistir-lhes. Não quero.
O tempo de estar sentada na margem do rio foi. Mas já não é mais. Há sempre um tempo. Um tempo para cada lugar.
As águas do rio assustam, sei que não as conseguirei controlar, talvez me atirem de uma margem à outra, ao longo do caminho. Talvez me atirem aos seixos do fundo. Mas seguirei. Estou decidida.
Vou chegar, não sei onde, o rio é que sabe. Ao mar, certamente, mas não sei a qual.
Só me interessa que poderei então provar o sal.
© Isa Lisboa

Imagem: Alexey Zaycev
Efémera
Uma efémera nasceu (*). Espreguiçou-se e pôs-se logo a voar. Percorreu todo o céu que tinha ao dispor. Era feliz.
Aproximava-se a 24ª hora, olhou para baixo e observou os humanos: “Tantas vidas têm e andam sempre presos à terra, não voam” – pensou.
Como tinha já poucos minutos, esqueceu os homens e voou o mais alto que pôde. Até que, lentamente, e embalada pela brisa, caiu na terra, que só estava lá para acolher a despedida da efémera que foi feliz.”
© Isa Lisboa
(*) A efémera é o animal com vida mais curta no reino animal, durando, no máximo 24h.
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Publicado originalmente no blog Tubo de Ensaio:
Sem asas
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Haiku: Isa Lisboa / Grafismo: Vera Pereira