Do fim ao princípio

No dia em que nasci

Foi aquele em que morri

A noite em que me fui

Foi a aurora do primeiro grito

Ou assim o via

Quando acreditava

Que Tempo havia

E que o Fim

Era Antítese

Do Princípio

Olhos não tinha ainda

Para ver

Que caímos à terra

Apenas para árvore

Renascer

E que antes que a matéria

Se torne noutra forma

Aquilo que a habita

Havemos de tocar

Nascemos para entender

Que o destino somos Nós

E o caminho

Nada mais é que

Ser!

© Isa Lisboa

Vadim Stein 11

Foto: Vadim Stein

 

Águia

Todos os dias, quando passava naquela rua, o vento levantava-se. Era forte, tão forte, que era preciso um grande esforço para resistir e avançar.

Um dia, num impulso, parou de resistir: sentiu que voava nas asas do vento, o frescor na cara, o ar nos cabelos.

Afinal, sempre fora águia.

© Isa Lisboa

Svetlana Belyaeva

Svetlana Belyaeva

Safira

 

Kawica Singson, Lava and water on camera

Foto: Kawica Singson

Lúcio observa a estranha mulher que, descalça e de calças arregaçadas se aproxima da água. Estava ali parada, apenas parada. Parece enterrar os pés na areia molhada, um de cada vez.

Antes de descer, percorreu o rochedo que ali se ergue, parando de tempos a tempos e também ali permanecendo imóvel por uns tempos. Parecia procurar alguma coisa, mas nada havia ali para achar. À frente, só o mar e, ocasionalmente, um pequeno barco à vela.

Move-se, segue em frente. Acaba por voltar atrás, talvez surpreendida pela onda mais forte que agora veio. Imóvel, continua imóvel, apenas olhando agora para a água, em baixo.

 

Safira olha a água do mar a ir e vir e a forma como os grãos de areia deslizam lentamente ao seu sabor. Nunca antes tinha reparado: parecem grãos de ouro a desfazerem-se e refazerem-se na água.

 

© Isa Lisboa

Publicado originalmente no blog Tubo de Ensaio

Barco salva vidas

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Imagem: Autor não identificado

Era hora de lançar o salva-vidas à água.

Tinha forças para remar, mas a falta de bússola deixou-me sem saber para onde ir.

Já tinha esquecido o conhecimento ancestral das estrelas-guia, julgo que todos o transportamos connosco, na nossa memória herdada. Mas as luzes do Mundo fizeram-nos esquecê-lo.

E ali estava eu, iluminada pelas estrelas, sem entender o que me diziam. Era, pelo menos, reconfortante tê-las ali comigo.

Tive sede, mas não podia beber, a água estava cheia de medos, não se devem beber, especialmente quando a incerteza nos abraça.

Decidi que devia parar, fechar os olhos, para melhor ouvir as estrelas, o som das ondas.

E então percebi que não havia remos, nem sequer bote, flutuava nas águas, agora calmamente.

A minha cápsula salva-vidas não era mais que o meu corpo. E então a minha alma aquietou-se. Ouvia as estrelas, o mar, a terra ao longe. E soube que ia entendê-los e que a terra me esperava.

Para todos há, algures, a Terra Prometida.

© Isa Lisboa

Publicado originalmente no Instantâneos a preto e branco