Pandemia e filmes de zombies

Ultimamente vejo alguns posts e comentários nas redes sociais dizendo que, de repente, parece que estamos a viver um filme. E se é verdade que não andam zombies na rua, nem estamos em casa para nos protegermos da chegada do frio apocalíptico, estamos em casa.

Estamos em casa para nos protegermos de um inimigo invisível, que só vamos conseguindo ver pelas notícias, por gráficos, por estimativas de curvas e por opiniões. Opiniões, infelizmente, nem sempre objetivas.

De repente, a rotina mudou, certezas há poucas e tudo parece irreal. Como se, realmente, tivéssemos entrado para dentro do ecrã da TV, e tivéssemos aterrado num filme catástrofe de Hollywood.

Ninguém estava preparado e estamos todos a procurar formas de lidar.

Um dos exercícios mentais que procuro fazer em situações difíceis é “lembrar-me”. Lembrar-me de outras situações difíceis pelas quais passei. Em primeiro lugar, lembrar-me de que as ultrapassei. Depois, lembrar-me, avaliar. Avaliar tudo o que fiz melhor e tudo o que fiz pior. Alguma coisa aprendi e isso é sempre útil. É útil.

Lembrar-me de que doeu, mas que ultrapassei. E de que agora estou mais forte. Mais resiliente.

Lembrar-me de que não sei tudo. Já vivi um filme, por assim dizer. Mas não era um filme como este, com um toque catastrófico. Um filme que tivesse o potencial de afectar tanta gente à minha volta. Mas já antes sofri e superei. E isso lembra-me de que tenho em mim esse potencial e essa energia e vontade.

Lembrar-me que tudo passa e que, até passar, o melhor que posso fazer é lidar da melhor forma que souber.

Há incerteza quanto ao futuro, é certo. Uma incerteza muito diferente da habitual. Multiplicam-se teorias sobre o que será o futuro depois da pandemia. Mas é agora que ela está a acontecer. E é agora que precisas cuidar de ti e dos outros.

Fica em casa, sai apenas para fazer o essencial. Cuida do teu corpo, da tua mente, e do teu estado emocional.

Adapta-te. Tudo isto é novo, mas é o que está a acontecer agora. Adapta-te.

Fica bem hoje, para poderes preparar os novos amanhãs.

© Isa Lisboa

Egoísta!

“Hoje não posso. Eu sei que costumo fazê-lo sempre que o pedes. Amanhã talvez possa, mas hoje não posso mesmo.

Não, hoje eu não posso. Hoje eu não posso ficar. Hoje eu não posso parar e ficar aqui e ouvir-te.

Hoje tenho um compromisso com alguém muito importante: eu mesma!”

Talvez estas palavras vos tenham chocado. Talvez estejam a chamar-me de egoísta, revoltados ao imaginar-me a dizer estas palavras a alguém. E ainda mais revoltados ao imaginarem-se a vocês mesmos a dizer estas palavras a alguém.

Claro que precisamos estar lá para os outros, ajudá-los naquilo que nos for possível. E muitas vezes a única coisa que é possível é isso mesmo: ouvir. Estamos cada vez menos disponíveis para ouvir o outro, para realmente ouvir. Ouvir a dor, a mágoa, até para ouvir as alegrias. Quando alguém não diz aquilo que esperamos (ou queremos) ouvir, então ouvimos pouco. Fechamos os ouvidos e ainda mais o coração.

Mas estamos também cada vez menos disponíveis para nos ouvir a nós mesmos. Para ouvir as nossas próprias dores e mágoas e os nossos próprios anseios e sonhos. Abafamos tudo isso por detrás de tudo o que temos que fazer. Amordaçado por detrás de tudo o que temos que fazer, fica tudo o que precisamos fazer. O que precisamos fazer por nós.

E então deixamo-nos esquecer, e deixamos que o ruído se sobreponha. E deixamos que os nossos ouvidos oiçam apenas os outros. Ouvimos até que as palavras se acabem.

E deixamos de dizer não, porque é egoísta dizer não. É egoísta não ter tempo para todos os que nos procuram. É egoísta não ter uma palavra de conforto. E lá dentro de nós mesmos, há uma parte que grita também: és egoísta, és egoísta porque não me ouves. És egoísta porque não tens tempo para mim. És egoísta porque exiges tudo de mim. És egoísta porque não me confortas.

E assim muitas vezes deixamos que a nossa mente encha até ao limite, absorvidos pelos vários problemas que nos surgem. Absorvidos pelas queixas, exigências e solicitações. E esquecemo-nos da pessoa que talvez naquele momento precise de mais ajuda: nós mesmos.

E ajudar a nós mesmos não é um acto de egoísmo, é um acto de amor-próprio. Um acto de auto-ajuda. E de amor aos outros. E de ajuda aos outros.

Porque como poderemos confortar os outros, se não nos sentimos confortados? Como poderemos ser um ponto de apoio, se nos sentimos sempre sem forças? Como poderemos puxar alguém para cima, se nos deixarmos cair?

Como poderemos dar aquilo que não temos? Só ganhando-o por nós mesmos.

© Isa Lisboa

1654753_10201340139810227_1681860192_n