Cegueira emocional

 

Para quem não sabe falar inglês, deixo um pequeno resumo do vídeo acima:

Trata-se da história de um casal, em que o homem pergunta à mulher se pensou no seu pedido de casamento. Ela responde-lhe que não pode casar com ele, porque é cega, e porque quer ver o futuro de ambos juntos. Ela diz que precisa ter os olhos dela.

Na cena seguinte, é a mulher quem vai ter com ele, e muito feliz, diz-lhe que poder ver é a sensação mais fantástica do mundo. Ele pergunta-lhe se agora ela já pode casar com ele e abraça-a, desajeitadamente. Nessa altura, ela percebe que ele não vê e, revoltada, diz-lhe que não pode casar com alguém que é cego e sai.

Numa terceira cena, ela encontra por acaso um envelope, ao arrumar as coisas da mesa. Dizia na parte de fora “Para quando tiveres os teus olhos.”. Ela abre o envelope e dentro tem, assinado pelo ex-namorado, um bilhete que diz: “toma bem conta dos meus olhos”.

Como o comentador, Jay Shetty, explica de seguida, este vídeo não é sobre cegueira física, mas sim sobre cegueira emocional. Sobre a forma quando julgamos as pessoas, especialmente quando a nossa situação muda para melhor e não conseguimos ver o outro lado, o lado do outro.

Este enquadramento fez-me sentido, mas não consegui deixar de ficar a pensar um pouco naquilo que o homem fez. E não consegui deixar de sentir que também ele errou. Talvez vos pareça estranho, visto que, afinal, é ele a vítima desta história, o injustiçado…

Mas, olhando mais de perto, vejo que ele abdicou de uma parte essencial dele mesmo para que outra pessoa se sentisse completa. Abdicou de uma parte essencial dele próprio, para a dar a uma pessoa que não se amava a ela própria da maneira que era.  Por isso, pergunto-me, não seria ele também cego emocionalmente? Pois como poderemos fazer os outros inteiros, se nós próprios estamos despedaçados?

© Isa Lisboa

 

 

Egoísta!

“Hoje não posso. Eu sei que costumo fazê-lo sempre que o pedes. Amanhã talvez possa, mas hoje não posso mesmo.

Não, hoje eu não posso. Hoje eu não posso ficar. Hoje eu não posso parar e ficar aqui e ouvir-te.

Hoje tenho um compromisso com alguém muito importante: eu mesma!”

Talvez estas palavras vos tenham chocado. Talvez estejam a chamar-me de egoísta, revoltados ao imaginar-me a dizer estas palavras a alguém. E ainda mais revoltados ao imaginarem-se a vocês mesmos a dizer estas palavras a alguém.

Claro que precisamos estar lá para os outros, ajudá-los naquilo que nos for possível. E muitas vezes a única coisa que é possível é isso mesmo: ouvir. Estamos cada vez menos disponíveis para ouvir o outro, para realmente ouvir. Ouvir a dor, a mágoa, até para ouvir as alegrias. Quando alguém não diz aquilo que esperamos (ou queremos) ouvir, então ouvimos pouco. Fechamos os ouvidos e ainda mais o coração.

Mas estamos também cada vez menos disponíveis para nos ouvir a nós mesmos. Para ouvir as nossas próprias dores e mágoas e os nossos próprios anseios e sonhos. Abafamos tudo isso por detrás de tudo o que temos que fazer. Amordaçado por detrás de tudo o que temos que fazer, fica tudo o que precisamos fazer. O que precisamos fazer por nós.

E então deixamo-nos esquecer, e deixamos que o ruído se sobreponha. E deixamos que os nossos ouvidos oiçam apenas os outros. Ouvimos até que as palavras se acabem.

E deixamos de dizer não, porque é egoísta dizer não. É egoísta não ter tempo para todos os que nos procuram. É egoísta não ter uma palavra de conforto. E lá dentro de nós mesmos, há uma parte que grita também: és egoísta, és egoísta porque não me ouves. És egoísta porque não tens tempo para mim. És egoísta porque exiges tudo de mim. És egoísta porque não me confortas.

E assim muitas vezes deixamos que a nossa mente encha até ao limite, absorvidos pelos vários problemas que nos surgem. Absorvidos pelas queixas, exigências e solicitações. E esquecemo-nos da pessoa que talvez naquele momento precise de mais ajuda: nós mesmos.

E ajudar a nós mesmos não é um acto de egoísmo, é um acto de amor-próprio. Um acto de auto-ajuda. E de amor aos outros. E de ajuda aos outros.

Porque como poderemos confortar os outros, se não nos sentimos confortados? Como poderemos ser um ponto de apoio, se nos sentimos sempre sem forças? Como poderemos puxar alguém para cima, se nos deixarmos cair?

Como poderemos dar aquilo que não temos? Só ganhando-o por nós mesmos.

© Isa Lisboa

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Dar

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Diz-se que o mundo está cada vez mais cheio de pessoas que apenas desejam receber algo dos outros. Receber sem estar disposto a dar algo em troca.

No entanto, tenho verificado que, cada um à sua maneira, a maioria das pessoas com quem me tenho cruzado ao longo da vida, tem um sentimento de necessidade de Partilha com o outro. Necessidade de Dar. Essa necessidade pode ser de fazer a doação de bens materiais ou de ajuda (como no voluntariado).

Mas também pode ser a necessidade de Dar a nível emocional.

No entanto, nem sempre o manifestam da melhor forma, ou nem sempre o conseguem concretizar da melhor forma.

Por um lado, porque não conseguem Dar àquela pessoa que mais precisa de receber. E essa pessoa somos apenas Nós próprios. Embora possa parecer contraditório, temos dificuldade em Dar a nós mesmos. Em Dar um pouco de tempo, um pouco de atenção às nossas necessidades e sonhos. Em Dar um pouco de amor a nós mesmos.

Por exemplo, com mais facilidade nos censuramos sobre um qualquer pequeno erro que cometemos, que nos felicitamos a nós mesmos por uma grande conquista. Como se nada mais nos fosse permitido do que a perfeição. Por isso, em nada podemos errar. E, por isso, tudo o que façamos bem feito é apenas aquilo que temos obrigação de fazer. É apenas o mínimo que podemos esperar de nós próprios.

Esta forma de auto-boicote foi-nos sendo passada, de forma mais ou menos inconsciente. E, de forma mais ou menos inconsciente, acabamos por agir assim também com os outros. Apanhados num ciclo e prolongando-o.

Pois como podes dar amor a alguém se não o sentires por ti própria(o)? Como podes entender e aceitar alguém com todos os defeitos e qualidades, se não aceitas os teus próprios? Se não aceitas os teus próprios defeitos e as tuas próprias qualidades.

Por outro lado, quantas vezes tentamos Dar de forma menos correcta? Não damos à pessoa certa, nas circunstâncias certas, no tempo certo…

Falo pela minha própria experiência. Durante muito tempo procurei dar a quem não queria o que eu tinha para Dar. Ou até talvez não precisasse do que eu tinha para oferecer.

Partindo de um exemplo prático: se eu tiver muitos casacos de inverno para dar e os enviar como dádiva para as pessoas desfavorecidas de um país de temperaturas tropicais, é fácil perceber que estarei a cometer dois erros. Por um lado, as pessoas que receberão os casacos não terão uso para lhes dar num país quente. Os casacos acabarão por ficar esquecidos algures. Por outro lado, haverá alguém num país frio que poderia usar um desses casacos e que continuará a apanhar frio. A intenção não deixou de ser boa. Mas, no final das contas, não conseguimos atingir o nosso propósito de Dar. Porque, na realidade, ninguém Recebeu.

E, na nossa dor de não ter conseguido Dar, achamos que a nossa dádiva não chegou porque não foi aceite pela pessoa que esperávamos que a recebesse.

Mas como podemos Dar amor a quem não se ama e não quer amar-se? E como podemos Dar calma a quem apenas concebe o mundo vivido ao segundo? Como podemos Dar paz a quem só conhece a guerra (muitas vezes consigo próprio)? Como podemos Dar esperança a quem procura apenas razões para desistir?

Podemos dar ao Outro a vela e o fósforo, mas apenas cada um, por si, pode acender a sua própria Luz. Não podemos forçar a Luz por entre a escuridão daqueles que a escolheram. Sob pena de ficarmos nós próprios presos nessa escuridão, perdendo a memória e a força de como acender de novo a nossa própria vela, para nos iluminar o caminho de volta.

É difícil aceitar que assim é. Quando comecei a perceber tudo isto, senti que estava, eu própria, a desistir. A desistir de algumas pessoas. A desistir de uma parte de mim. Ao mesmo tempo, uma voz sussurrava-me que não podia desistir de mim. E estas vozes ainda convivem em mim.

Não consigo parar de segurar a vela e os fósforos e de os oferecer a quem acho que precisa delas. Mas esforço-me por me lembrar que assim como eu estou a fazer o meu caminho, também cada pessoa à minha volta tem que fazer o seu. Talvez algumas pessoas tenham que o fazer sem uma vela a alumiar o seu caminho. Ou precisem de encontrar uma vela por si próprios. Uma vela diferente da que eu conheço e que eu não sei como moldar.

Por isso, por vezes, tudo o que podemos fazer é apenas segurar a vela e fazer saber que ela pode iluminar o caminho. Por vezes, tudo o que podemos fazer é acender a nossa própria Luz e esperar que ela ilumine mais que o nosso caminho.

© Isa Lisboa