Vacina

Foram anos de investigação, anos de desânimo.
Na anterior pandemia Covid19, esta pandemia veio ao de cima de forma alarmante. Na verdade, esta doença já existia há muitos anos, mas a humanidade parecia adormecida a ela.
Via-se, no entanto, alguma esperança. Nem todos pareciam ter sido acometidos desta fatalidade invisível e aparentemente assintomática.
Notou-se com o coronavírus, na indiferença às mortes, indiferença igualada à registada face ao aumento da pobreza. Duas tragédias que andaram de mãos dadas, mas que poucos viam, entrincheirados do seu lado das certezas e das soluções únicas.
O mundo cientifico acordou com uma animadora notícia: a vacina há tanto procurada foi encontrada.
Depois de descoberta a vacina para o vírus e atingida a imunidade de grupo, a humanidade começou a aperceber-se lentamente do mal que lastrava entre nós. Escondido, mascarado, desculpando-se com a pandemia.
Aqueles que foram, a custo, mantendo a imunidade decidiram juntar-se. Procuraram cérebros que pudessem ajudar. Alguns deles, eles próprios acometidos pela doença, aceitaram, ainda assim, a tarefa. Seduzidos talvez pelo desafio.
A investigação decorreu durante anos e os primeiros testes foram aprovados no ano passado. Renascia a esperança para o ser humano. A esperança de recuperarmos aquela centelha essencial. A esperança para uma sociedade justa, humana, equilibrada.
Hoje, todas as farmacêuticas do mundo anunciaram que estão prontas para começar a produzir a vacina e a distribuí-la.
Serão primeiro inoculados os mais necessitados. Começarão pelas pessoas com mais altos cargos de poder. Aquelas que mais precisam ser curadas, de forma a começarem a dar o exemplo pelo seu comportamento.
Mas a expectativa é que chegue a todos, até que deixe de ser necessária.
Até que recuperemos a imunidade de grupo, e nos curemos da falta de empatia. Rejubilemos.

© Isa Lisboa

[Texto resultante de um desafio de escrita, que consistia em escrever um artigo / notícia sobre a descoberta de uma vacina conta o que eu considere ser um dos problemas da humanidade.]

Medos e dogmas

Imagem: http://www.pixabay.com

“Não há factos eternos, como não há verdades absolutas.”
Friedrich Nietzche

Gosto muito desta frase e acho que é algo importante lembrar.
Lembrar, mas não para a atirar a quem tem uma opinião diferente da nossa. É uma boa frase para atirarmos a nós mesmos.
Vivemos um tempo de medos, que me parece estarem a fazer muitas verdades absolutas. E isso dá-me medo.
Tenho medo dos efeitos do vírus na vida, na saúde, e nos sistema de saúde. Tenho medo dos efeitos do vírus no aumento da fome, na perda de condições de subsistência e condições de vida mínimas, na saúde mental.
Mas também tenho cada vez mais medo da intolerância.
Já no pré – covid a via muitas vezes.
Mas as vagas de covid trouxeram novas vagas de verdades absolutas e ataques a quem tem opiniões diferentes. Como se essa opinião fosse também um vírus.
Concedo que algumas ideias se possam assemelhar a vírus, incluindo as suas consequências nefastas.
Mas pensemos em algo de inovador: e se a opinião do outro, for apenas uma visão de alguém que vive uma realidade diferente da nossa? Que
também sofre, mas com dificuldades diferentes das nossas? E que talvez (vá, só um esforço de imaginação), talvez, por isso pense de forma diferente da nossa?
Talvez o sacana egoísta do lado nos veja a nós como sacanas egoístas. Já pensaram nisso?
Isto assusta-me. Assustam-me as verdades absolutas, fechadas sobre si próprias. Assusta-me que estejamos a tentar salvar uma sociedade que se esqueceu de que o outro não é apenas quem pensa igual a si. Uma sociedade que cada vez mais deixa de saber como se colocar no lugar do outro.

Termino como comecei, com uma citação:

“Posso não concordar com uma só palavra sua, mas defenderei até à morte o seu direito de dizê-las.”
Voltaire

© Isa Lisboa