Maria

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Todas as mulheres da minha família se chamam Maria. Pois é, até parece estranho, não é?
Não, não nos confundimos umas às outras. Nasce sempre só uma. A cada geração nasce só uma cachopa. A minha foi logo a primeira, veio antes dos irmãos.
Eu vim no meio, fiquei ali meio esquecida no meio dos gaiatos. A minha Maria despachou-se logo, e até me ajuda a manter os irmãos na linha.
Não, nunca nos fez confusão. Uma vez um doutor veio cá à aldeia e fez assim muitas perguntas. Ficou muito curioso. Disse que era capa de ser dos genes.
Disso dos genes não sei. Sei que sempre deu jeito. As cachopas não conseguem fazer o trabalho pesado que os homens conseguem. E há muito desse para fazer por aqui.
Sim, sempre nasceram todos bem. E rápido. Vieram todos cheios de pressa para o mundo. Só desta vez é que demorei muito. Foram muitas horas. E eu já estava tão cansada. O médico disse que tinha que me operar, abrir-me a barriga e tirar de lá o meu bebé. O bebé estava torto.
Ai, se fosse nos tempos mais antigos. Uma geração podia ter ficado sem Maria. Mas sempre tivemos sorte e madrinhas que eram boas parteiras. A minha avó perdeu um menino assim. E ela quase se foi também. O menino não respirava. Naquele tempo, sabia-se que podia acontecer. Eram desgraças que se esqueciam. E de que só se falava nos dias tristes.
Mas eu fui ao hospital e o médico operou-me. Lembro-me de tudo até certa altura e acho que depois desmaiei.
Quando acordei, o Alfredo estava a falar com o médico. Estava meia assarapantada, mas percebi que tinha acontecido alguma coisa.
Tenho uma má notícia e uma boa, disse o médico.
Ora diga-me já a má, que é melhor despachar isso.
Usou umas palavras complicadas, mas eu percebi o que era “complicações no parto”. E percebi que tiveram que me cortar por dentro e que não podia ter mais meninos. Olhei para o Alfredo e não percebi bem se estava amofinado ou aliviado.
Pois claro, aliviado! Há muitas bocas para alimentar e os miúdos ainda não conseguem todos ajudar na jorna.
Eu não sabia o que pensar, e o pensamento só estava à volta da sala, à procura do meu bebé.
Entrou uma enfermeira com um embrulhinho ao colo. E aqui está a boa notícia, disse o médico. A sua menina, que foi uma grande guerreira.
Olhei para o Alfredo e ele acenou que sim com a cabeça. Nasceu-nos outra cachopa. Que nome lhe vamos pôr agora, Maria?
A enfermeira deu-ma para os braços e eu olhei para ela, ainda a tentar perceber. O outro médico havia de ficar ainda mais espantado. Disse-me qualquer coisa sobre os genes não mentirem.
Ela olhou para mim e agarrou-me no dedo com a mãozita. Com uma força grande, aquele bocadito de gente.
Uma guerreira, repetiu o médico. E foi-se embora.
Fiquei eu, o Alfredo e a menina.
Como a vamos chamar, Maria?
Oh Alfredo, eu quero chamar-lhe Vitória!
Quer saber porquê? Porque tenho cá para mim que ela vai ser uma guerreira toda a vida. É a última da família, mas ao mesmo tempo também foi a primeira.
O senhor até veio cá para escrever sobre ela e tudo. Sabe o que eu acho? Não há-de ser só o senhor! Ainda se vai escrever mais sobre a minha Vitória!
“Também me parece, D. Maria. Mas eu agora já tenho tudo o que precisava. Depois venho cá trazer-lhe o jornal, quando sair. Agora vou deixá-la descansar. A si e à Vitória.”

 

© Isa Lisboa

Porque existem Marias e porque existem Vitórias, marquemos o Dia Internacional da Mulher!