Ampulheta

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Recebi há dias de presente uma ampulheta. É um objecto que acho particularmente simbólico.

Ao observar a areia da ampulheta a cair calmamente, no seu ritmo imutável, penso não só no que ela representa – o Tempo – mas também na nossa relação com ele.

Por vezes somos tentados a procurar controlar o tempo. Seja tentando atrasá-lo, para que algo dure mais tempo; seja tentando acelerá-lo, para que algo que desejamos muito chegue mais rápido.

Ora, se pegarmos numa ampulheta e tentarmos que a areia ande mais devagar, verificaremos que nada que possamos fazer daqui de fora a atrasa. Podemos apenas virá-la ao contrário. Nessa altura, a areia começará a cair de um outro ponto.

E então pensaremos talvez que conseguimos manipular o tempo. Mas se a areia cairá ao mesmo ritmo, não estaremos apenas a inverter o tempo, colocando-nos a nós mesmos numa ilusão de que o tempo agora é nosso?

Eu não tenho dúvidas de que o Tempo tem o seu Tempo e de que a areia cai no ritmo certo para cada um. Procurar alterar isso só nos aproxima da crisálida a quem alguém não deixou sair do casulo.

Essa é uma história que circula em vários sítios pela internet. Para que possa ganhar asas, a jovem crisálida precisa debater-se com o casulo. Só assim as suas asas crescem e se tornam fortes o suficiente para voar. Caso alguém ajude a pequena crisálida a sair, as suas asas ficarão fracas e ela jamais conseguirá voar.

A crisálida sabe que para ser borboleta tem que aguardar que a areia caia de um dos lados da ampulheta para o outro. E que quando ela se vira, é o momento de, ao ritmo dos grãos de areia, se fortificar e lentamente construir as suas asas. As que a farão voar, conhecer as flores e provar o polén. Voando alegremente no vento, o casulo uma recordação do útero que a fez nascer e ser.

E a mim parece-me que a borboleta é feliz.

Procuremos nós ouvir a sabedoria dos grãos de areia que caem na nossa ampulheta. Deixemo-nos ir, confiemos na sabedoria sagrada que nos guia e nos rodeia. Ela fala connosco, baixinho, mas podemos ouvi-la. Basta fechar os olhos e ouvir o som de um grão de areia a cair.

“É por aqui” – Dir-te-á ela. E quando te levantares e seguires o teu caminho, será a própria mão do Tempo a virar a ampulheta. E tudo recomeçará, no tempo que é teu.

© Isa Lisboa

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